Por mais que você leia e escute relatos sobre a maratona de Boston você nunca estará preparado para o que irá encontrar. O que eu vivenciei no antes, durante e depois da prova, me fez amadurecer e admirar ainda mais esta prova. A relação que a cidade tem com a maratona não é algo que possa ser explicada por palavras e talvez este sentimento tenha sido o motivo pelo qual esta prova foi escolhida como alvo destes terroristas.
Durante a preparação para a maratona enfrentei todas as adversidades possíveis incluindo uma intoxicação alimentar uma semana antes de viajar. Como era minha primeira prova nos EUA e estava indo sem qualquer apoio de uma agência de turismo, viajei bastante apreensiva com o que iria encontrar. O tempo em Boston também era uma questão preocupante afinal a temperatura oscilava muito e ainda havia possibilidade de chuva.
Viajei na sexta-feira a noite fizemos escala em NY e chegamos em Boston no Sábado pela Manhã. Ao sair do aeroporto o primeiro choque com a temperatura, no dia anterior havia chovido e a temperatura tinha caído para próximo dos 6ºC.
Ao chegar no hotel o check in só podia ser feito as 15:00, então deixamos as malas, fomos comer alguma coisa e aproveitei para fazer o último treino no parque ao lado do hotel.
Nunca havia corrido com tanta roupa e ao mesmo tempo passado tanto frio, isso me fez repensar estratégia para a prova. Não sabia com que roupa correr, pois tinha medo de passar calor no meio da prova.
Depois do treino fomos andando até a feira e pude ver toda a preparação para o dia da prova. A “Finish line” estava pintada, o pórtico de chegada estava sendo montado, havia uma estrutura enorme de tendas para armazenar tudo que seria distribuído no dia da prova, além da movimentação de inúmeros caminhões de transporte.
Ao lado da “finish line” havia uma igreja e no domingo ocorreria uma benção especial para os atletas. Em todos os postes havia cartazes falando da maratona. A cidade vestia as cores amarelo e azul.
A feira ficava num centro de convenção alguns metros depois da finish line e o local era quase do tamanho da bienal. Como chegamos tarde, estava simplesmente lotado, havia gente por todos os lados e praticamente todos os fabricantes estavam expondo ali. O stand da Adidas era enorme com vários produtos oficiais da maratona. Paraíso perfeito para o consumo….rs rs rs
Aproveitamos e fizemos um belo lanche só com as amostras de comidas distribuídas por lá: barras, iogurtes, pão, etc. Espero sinceramente que o iogurte distribuído lá chegue ao Brasil, era parecido com Danoninho e no fundo havia uma geléia de frutas…
No dia seguinte fizemos mais uma visita a feira, passamos por algumas lojas na rua para mais algumas comprinhas e mais tarde fomos para o jantar de massa.
A organização montada para um jantar envolvendo 27.000 corredores e suas famílias foi espetacular. Havia uma fila do lado de fora, mas em 15 minutos estávamos entrando. Logo na entrada já distribuíam uma espécie de prato, talheres e em seguida já serviam o jantar, dali era só escolher a mesa. Água, suco e cerveja eram distribuídos em vários pontos e se quisesse repetir o jantar havia locais lá dentro para isso. E ainda haviam telões onde passava cenas da maratona do ano passado.
Quando chegou a hora de encerramento, as luzes foram acesas, música e filme desligado, sinal que era hora de ir para o hotel descansar para o grande dia.
No dia seguinte mais uma logística, todos os corredores deveriam pegar o ônibus que levaria para a largada. De acordo com a onda de largada, foi estabelecido um horário específico de embarque, mas percebi que isso não foi muito respeitado e tive que esperar cerca de 40min para conseguir embarcar. Considerando o transporte de 27.000 atletas até que não foi muito tempo. Como o agasalho que levei não foi suficiente, passei muito frio nesta espera e pude ver como os americanos enfrentam este frio, com agasalhos e principalmente copo de café. Mais uma lição aprendida.
Quando entrei no ônibus, foram cerca de 40min de viagem e pude conversar com outros atletas e também descongelar um pouco. A largada é numa cidade bastante tranquila com casas de madeiras, quintais e sem cerca.
A infra-estrutura montada na largada foi impressionante, haviam tendas para abrigar os atletas e mesas com café, frutas e produtos da PowerBar. Os atletas mais experientes levaram forros e se espalharam pelo chão como num picnic. A maioria ficou no sol aproveitando para esquentar um pouco. Agora, o que mais me impressionou foram os banheiros químicos, não havia aquele cheiro horrível que temos por aqui e achei extremamente limpo, mesmo depois de ser bastante utilizado e além disso, havia álcool em gel para esterilizar a mão após o uso. Para usar o banheiro as pessoas deixavam a bolsa do lado de fora e não havia perigo de ninguém mexer.
Chegada a hora fui para a largada que ficava cerca de 800m, como o sol havia saído e já estava um pouco mais quente descartei o agasalho que levei e fiquei apenas com o manguito luva e protetor para o pescoço. Na hora da largada a emoção e as primeiras lágrimas “eu estava lá começando a minha primeira maratona de Boston”.
Durante os primeiros 5km você não consegue fazer sua prova, simplesmente você acompanha o ritmo geral, dado a quantidade de atletas largando com você. Como a largada é por ritmo, não existe problemas nisso, pois o ritmo geral é o seu ritmo. Depois do 5º km você consegue um pouco mais de espaço e somente a partir do 10ºkm é que temos espaço para imprimir o ritmo mais rápido ou mais lento. Logo no primeiro km os suplementos que estavam na minha bermuda se soltaram e perdi metade deles, ficando basicamente com o gel. Não quis pensar a respeito, mantive a calma e segui em frente no famoso seja o que Deus quiser.
Existe público durante todo o percurso e em cada cidade existe uma particularidade você nota diferentes tipos de públicos, mas no geral estão na porta de casa torcendo e acompanhando, distribuindo água, icepop, fruta, lenço umedecido, lenço de papel, apesar da organização disponibilizar água e Gatorade a cada uma milha. Existem crianças, jovens e adultos esperando o famoso “high five”. Na famosa escola feminina as meninas ficam com cartazes pedindo beijos e fazem a alegria dos rapazes.
Durante o percurso vi vários homens e mulheres do exército americano, alguns estavam fazendo a segurança do percurso e outros caminhando com mochilas que pesavam mais de 20kg. Depois eu soube que estes homens e mulheres que caminhavam estavam fazendo isto para arrecadar dinheiro para uma fundação. De qualquer forma, serviram de inspiração para mim, pois ao olhá-los não podia me deixar abater, afinal não estava carregando peso algum.
Todo mundo comenta das subidas, mas ninguém fala das descidas e foram elas que acabaram com a minha perna. A prova pode ser dividida em três partes, os primeiros 21km são basicamente de descidas e como o tempo estava agradável acelerei, joguei fora os manguitos e as luvas e fechei a metade da prova em 1h51m.
Daí veio a segunda parte, a partir do km 25 começa o sobe e desce, uma verdadeira montanha russa que segue até o km37. Nesta parte, o tempo virou começou a ventar frio ao mesmo tempo que comecei a sentir as descidas. Não achei nenhuma subida muito forte e sinceramente não sei qual delas foi a famosa “heart break hill”, mas queria chorar a cada descida, minha perna estava dura por causa do frio e dolorida por causa das descidas. Com isso, meu ritmo caiu muito, mas correr devagar significava esfriar e acelerar era difícil. Nesta parte a alegria da prova desapareceu e veio a determinação, iria terminar custe o que custar e a regra que impus era seguir em frente no ritmo que desse. Andei algumas vezes mas era pior por causa do frio.
Então cheguei na última parte, onde basicamente corremos no plano e com algumas descidas, só que a medida que nos aproximava da chegada o vento frio, contra e cortante aumentava. Estava congelada e não podia parar de correr. Nos últimos km com a redução das descidas meio que acordei e consegui voltar a correr num ritmo melhor. Quando fizemos a curva e chegamos na reta final e pude ver o pórtico, fui tentando localizar minha mãe na multidão e cruzei a linha de chegada com 3h56min.
Terminei quase em estado de choque e somente depois de receber o protetor térmico e a medalha é que percebi que havia concluído a maratona. Nesta hora é que as lágrimas vieram e chorei como criança.
Passado este momento, bateu um pânico em mim e simplesmente queria sair de lá. Era muita gente junta, muita gente andando para pegar água, Gatorade, lanche e a bolsa no guarda-volume. Comecei a andar rápido passar as pessoas quase em desespero. Fui em direção a área reservada para encontro dos familiares e quando vi minha mãe abracei e pedi para ela irmos embora para o hotel. Neste momento ouvi a explosão. A princípio achei que fosse um rojão, não parecia nada demais.
No caminho para o hotel vi carros de bombeiros e ambulâncias, achei que as ambulâncias eram para socorrer atletas e que os carros de bombeiros iam atender a alguma chamada. Até comentei com a minha mãe que teriam problemas para chegar ao local, uma vez que as ruas estava todas fechadas. Somente soube do que aconteceu quando chegamos no hotel e minha mãe ligou a TV.
O que era alegria tornou-se apreensão e tristeza, no outro dia ao andar com a medalha ou a jaqueta da Maratona era cumprimentada por todos e passei a ser vista como “Sobrevivente” e “herói”. Eu havia terminado a prova, muitos outros corredores não, a bomba explodiu quando os corredores da terceira onda começavam a chegar, mais de 4.000 atletas foram impedidos de terminar a prova.
E neste cenário de caos, mais uma vez a organização da maratona deu exemplo de competência, transmitindo informações para os corredores, montando uma estrutura emergencial para que os atletas pudessem buscar suas bolsas. E ainda pintaram uma mini linha de chegada para que os atletas que não puderam completar a prova pudessem passar pela linha e ganhar sua medalha, cuidados que só quem ama o esporte poderia fazer.
Tudo isso só me deixa uma certeza, vou buscar o índice ano que vem para poder voltar em Boston em 2015 e fazer tudo novamente. Boston merece.